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Gênese do Vento


O ar que vem de lá do cais
refaz  lembranças nos varais
tão leve trás pelos quintais
o desfiar da velha infância.

O vento em curva faz ciranda
sob os beirais de minha memória,
e vem de outrora aquela dança
do tempo brando sem demora.

Brando encanto da corda que roda
que por hora não cessa o rodar,
como a bola que no campo volta
e vai e rola sobre a luz do luar.

O ar que vem de lá me trás,
mas vai e volta de onde veio.
E me deixa o tempo - esse sem freio
a me fabricar pósteras lembranças

O que não morde

Em cima do telhado
gatos vários se escondem,
mas pelas janelas dos prédios defronte
escondem-se outros cães silenciosos.

O cão não late, ele canta o silêncio de ser cão.

No fundo de cada coração um cão late emudecido.
Um cão emudece o latido de outros cães também.
Todos os cães são amigos do silêncio que compartilham.
O silêncio é a comunicação da vida de cão.
Cães caçam nas paredes sombras de outros cães
e se descobrem diferentes na forma e iguais na condição.
Cães tem um coração que custa o preço do que come.
Não falta comida para os cães de dormitório:
dormem e comem na solidão da civilização.

Recortes


E no silêncio a vida evoca
toda nota comentada
das histórias que a memória
preservou enquanto íamos

naquele dia

caminhando em silêncio,
reescrevendo...
outras lembranças recordando,
outras andanças...
outras notas,
outros ventos que

naquele dia armazenou

no lar do coração
que hospeda,
tanta coisa
recortada
a ser lembrada,

pois a vida,
a vida é toda recordada
nos recortes
que deixamos
espalhados no caminho
de retorno para casa.

ana tereza barboza

ana tereza barboza
Grafito y bordado en tela. 130 x 102 cm (2011)