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Biografia


Meninas esperam
que a voz chegue
como anúncio
de:
canções que não toquem na pele como produto.

A menina de muitas outras meninas
desistirá da propaganda
em que o desejo desejado
educado for pra ser
e servir
mercadorias:

saltos altos que mancam
sobre bonecas entulhadas
serão colhidos para darem é passagem
à travessia descalça de sentir
a vida
o chão
conforme a intensidade de suas flores e pedras.

Prever os caminhos
por onde se escondem
e se revelam
quereres
sem depender da espera
por um cartão postal remoto
de um príncipe que-se-quer-existe.

Nossas meninas que somos
sofremos nas faces
com as cicatrizes
do tempo dos reis:

os retrovisores e espelhos
e toda a representação
nos dizem que são
nossas faces
nossos corpos
só produtos do amor,

mas faremos
nosso reinado
na morada do corpo

namorando
cada passo e curva
que o coração possa guiar pulsando
como a cadência da resistência das asas
que abrem caminhos no vento.



Tanta gente nessa solidão...

De repente a gente tem a impressão
de que, no meio da multidão
a solidão é coisa à toa:
covarde mito da cidade...

Mas...
Quando saio de casa a destino
logo sou atingido
pelo medo da vida dos outros.
O "bom dia" amanhece calado
na boca hostil da manhã.

Olhares generosos
calados de compaixão
flertam com o chão.
E com ele,
trocam impressão
de surda cumplicidade.

E percebo na verdade
é que estamos lado a lado
caminhando solidários...
à uma mesma solidão.

Tantopoucotempo

São nas vezes que não para
o ponteiro que se agita,
que eu penso em um refúgio
pra cabeça, corpo e vida:

Um tempo pra prece que cala a pressa infinita.
Um tempo de colher o tempo, tempo gasto sem medida.
Um tempo de mel no fel  que me cobre de breu.
Um tempo de colher na praça a flor do bem meu.
Um tempo descalço na rua do asfalto que queima
Um tempo de sol na ladeira, na cara, na vida que reina.
Um tempo de bola jogada, um gol que se queira.
Um tempo de ver a beleza no véu de fumaça ligeira.
Um tempo  de ouvir as conversas largadas no largo São Bento.
Um tempo pra's cores lançadas pelos viadutos inteiros
Um tempo pra vida ambulante que oferta desejos,
Um tempo pra ver a passagem dos carros sem freios.
Um tempo pra ouvir na rima do som que me alcança - o tom dos ponteiros
Um tempo ao som da batida do peito, soul Sampa - sem paradeiro.

Viela

Vi a menina na viela.
Viela pintada.
Viela estreitando casas.
Viela brotando casas.
Viela encurtando as asas
de um pássaro que manca.


Vi a espera na viela
conduzindo outras esperas
enviando outras esperas
em cartões postais de sonhos.


Viela na janela
refletida sob a face
da mulher que investiga
o solitário como a sombra.


Ouvi o brado na viela ecoando.
Era a voz da madrugada assobiando
e à criança anunciando
que era a hora de dormir.


A viela - me disseram
que uma hora há de mudar
e de repente, se tornar:
quem sabe beco
quem sabe rua
quem sabe vila


conjugada num futuro
anunciado por esperas.

ana tereza barboza

ana tereza barboza
Grafito y bordado en tela. 130 x 102 cm (2011)