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Além da linha



Mova teus passos, dispersos,
além da linha pontilhada.
E venha até mim, descalço,
com a flor moldada a mão.

De papel forma de flor
me conceda um buquê,
que o farei eternizar
nas horas que me bastam tanto.

Mova teus olhos ao norte
mova à mim,
mova-me.

Rasgue de minha pele a peça fina
e aqueça o frio por entre as mãos.

Pela janela podemos ver
o tempo vindo e indo...
Fora dela uniremos as mãos
e dançaremos cantigas de rodas.

Roda, gira e vira-me do avesso:
revele o teus lados, todos.
Distraia os teus passos, hoje.
E pelo caminho...
teus rastros coma.
Descarregue o aparelho do tempo
e apague a certeza do fim.

Aproximo de meu peito o tempo...




Aproximo do meu peito o tempo
recortado do retrato, matéria.
Debruçada no presente declamo:
o absurdo da saudade conjugada.

Recito os olhos que me esquadrinham a pele
e como título o seu nome dou.

Distancio do futuro a ideia
de não ter mais o que possuo agora.
Pois te quero perto, te quero fora
do passado que se amarela.

Concebo versos que é a tua cara,
e guardo-os todos na memória eterna.


Movimento





Olhos miúdos apontam ao céu
e fotografam os fios
de cores mil.

Cambaleiam ao vento
com a liberdade que não temos,
as cores em papeis que o punho dobrara.

Transitam os meninos
dos passos contados,
nas ruinas que seus sonhos 
desconhecem.

Confundem-se pipas,
linhas coloridas,
no céu que é o limite 
dos olhos atentos.

Derramado



E de vinho se encarde a saudade
das horas, 
das tardes,
que não se mediam.

Debruço em memória
que não quero limpar.
Debulho a memória
que não quero perder.

Toalha branca pintada a Merlot.
Toalha branca de cama,
de mesa, 
de chão...

Cor dos meus lábios corados de amor.
Cor dos teus olhos; espelho de Eros.

Corpos despertos,
vinho derramado.

Genealogia


Subo ao topo íngreme da árvore
- não da vida -
da genealogia,
de meu nome e sobrenome,
do que sou.

Tenho as vistas baixas
pois se cansam os olhos
diante do plano
das coisas imutáveis. 

O abismo dessa vida
não é acidente.
- Querida...
é isso que se vê,
com olhos limpos
ou não.

Da raiz discreta,
incerta,
se acende um caule bambo,
que tremula,
que pende,
ao fim se sustentando.

Ramagens de verde-fosco
secam,
caem,
misturam-se
às flores que um dia plantei.

Tenho marcas nas mãos,
riscos de galhos.
Riscos sutis,
enquanto parte do tronco
que sou.

Antes que o tempo mude
e a arvore caia.
Antes que o ciclo natural aconteça
e lhe atire ao solo.

Farei daquela prece
apenas coro.
E ao norte
lançarei o meu voo,
por cima
das flores pardas.

Rubi


Há tempos que a vejo sofrer,
abafando o choro com as mãos
e a dor com o batom
cor rubi.

Quando criança
eu não detinha os versos.
Mas dos meus olhos
nasciam poesias
que escorriam.
Corriam meninas
na face.

Sem o disfarçe
e pouco a fazer.
Havia quem lesse
o lamento dos olhos?

Das dores que tive
o verbo engoli.
Reverberei.
A falta nutri.
Sobrevivi.

Me esforçarei hoje pra te acompanhar.

Mas o que tem
na sua cara de mãe
de alegria postiça
que eu devo aceitar
e não aceito?

É a sombra.
Marca da mão alheia.
Aquilo que em sua vida fértil
não se custa apagar.

Será que com os gritos
que na memória ecoam,
só eu ensurdeço
só eu que enlouqueço?

Há tempos que a vejo sorrir
abafando o grito com os dentes,
abafando a dor com as mãos,
desenhando a vida assim
riscada a batom
cor rubi.


Nas curvas, nos beijos.




Fazem os dedos
rastros ocultos
na pele descoberta
de uma vida imperfeita.

Projeta-se como fogo,
o toque que se acende
nas curvas inexatas
de nossas paixões.

Ter perto o inócuo risco,
feito droga anestésica,
é o quente dos lábios teus,
prostrados aos quentes meus...

Prostrados aos quentes meus,
toda vida; toda alma
do hálito que dilacera
o peito em vulcões.



Desenrolam-se os sonhos
 que se estendem até a rua,
nela, atropelam-se os pés
descompassos.

Olha lá, os sonhos que,
tímidos, escondem-se nos becos.
Debruçados nas beiradas
da mesa da fé.

Olha o sonho que resiste a chuva!
Sobrevive à pedra, ao vento,
e olha a vida que se dissipa 
nos degraus dos relentos...

O sonho como fita,
de seda, tornozelo...
A vida por um fio,
por aí,  se desfiando....





Tom de chuva no peito que bate



E a chuva dá o tom,
junto  ao som que o peito bate.

E pela face, o encaixe
de semblantes que se gostam...

E a chuva sem parar,
dispara gotas pelo solo.

E meu peito que ti sente
compreende os teus mistérios....

Continua a chover
nos telhados, passos, pontos.

E a gente sem saber
entre lábios, mãos e modos...

Vê um dia, assim, nascer.
Vê um dia se molhar.

Vê um dia que reflete,
pela poça a paixão.

Inefável



Quantas palavras...
Vivas, inexatas,
encontram-se no espaço
De uma linha qualquer?

Quanto silêncio...
Que há em um momento,
para o barulho do vento
poder recriar?

Quantos olhares...
Cabem no corpo,
e dizem, no entanto
bem mais que o falar?

Quanta surdez...
Há no corpo presente,
quando os olhos se fecham
para o mundo inspirar!

Quantos pensamentos...
Trocam-se, cruzam-se,
nesse mundo gigante
que conseguimos criar?

E a inspiração?
Como se conta
o quanto se cabe
em entrelinhas
de um pensamento?


Multidão




Que espaço terei eu 
nessas caixas colossais,
de guardar multidões distintas?
De moldar multidões iguais?

E que parte terei eu
junto aos moldes que projetam,
massa minha, massa tua
de nossos filhos, moldes?

De que cor eu pintarei
o cinza do telhado,
que escorre pelas vistas
como forma de tijolos?

Em que céu apontarei os olhos
a fim de ver um plano fundo,
sem fragmentos muros
sem aviões de guerra?

Que velocidade medirei
- não dos passos e motores-
mas do tempo que não corre
e que tem pressa de partir?

Em qual abraço sentirei o aperto
de braços humanos loucos,
calorosos por dividir
a felicidade de ser feliz?

De algum segundo de dispersão...



Esse ar que anuncia a chuva
anuncia a poça, o reflexo, a menina
que de saia rodada se enrola n'água
e de tanto rodar se faz feliz.

Esse ar anuncia a chuva sim!
Esse ar de graça tempestuoso
de escadaria, paredes molhadas
frias e quentes de corpos afoitos..

Esse ar que me perturba os cabelos
vem de algum Trópico não reconhecido
de alguma vertigem mal calculada
de algum segundo de dispersão...

ana tereza barboza

ana tereza barboza
Grafito y bordado en tela. 130 x 102 cm (2011)